Amor, amora

Amor, amora

 

Rua do Rio, 7

4 de janeiro, uma e meia da terde.

Mãe e carteiro.

 

-Boa tarde, minha senhora.

-Boa tarde, seu carteiro.

-Eu tenho aqui uma correspondência para o seu endereço, mas preciso confirmar se é mesmo para cá. Não tem destinatário.

-Então, como é que você sabe que é para a gente?

-Pelo endereço. Rua do Rio 7. Não é bem aqui?

-É.

-Só que não tem nome de ninguém. Nem remetente nem destinatário...

-Você me deixa ver o envelope?

-Claro. É esse aqui.

-Que coisa mais doida é essa? Repare só: "à linda jovem de cabelos negros que conquistou meu coração". O endereço confere. Olhe, moço, não se arrepeie não. Deve ser coisa para minha filha. Você sabe, ela tem dezesseis anos. Vai ver é alguém do Recife, algum namoradinho que ela teve por lá, antes da gente se mudar para cá.

-Do Recife eu sei que não é. Veja a senhora aqui o carimbo. Essa carta foi postada ontem, aqui mesmo em Glória do Goitá.

-E não é que foi? Seja lá como for, eu vou levar para a Lila ver. Amanhã eu lhe digo se é para ela ou não.

Mas eu tenho quase certeza..."cabelos negros"...

[...]

 

Rua do Rio, 7.

12 de janeiro, uma e meia da tarde.

Carteiro e moça.

-Boa tarde.

-Boa tarde. Mais uma daquelas?

-Mais uma. Parece que você deixou louco de paixão esse rapaz...

-Oxente, que paixão que nada! Eu não conheço ninguém aqui nessa cidade triste. A única pessoa com quem eu falo é você, e ainda sim porque sou obrigada.

-É uma pena, eu gosto é muito mais de conversar com você.

-Desculpe ter falado assim. É que ando tão aperreada... Ainda não consegui engolir essa história de viver aqui, em Glória do Goitá. Pra mim não tem glória nenhuma. Vou batizar a cidade de derrota de Goitá...

-Vai ver é porque ainda não fez amizade. Repara que bem aqui em frente eu sei que mora uma mocinha assim feito você, da tua idade.

-E eu lá quero corja com nenhuma matuta? Vou falar do quê com ela?

-Foi só uma sugestão. Toma tua carta. Até amanhã.

-Eu já não te pedi que parasse de entregar?

-Não posso fazer isso. Sou obrigadoa entregar. Ainda mais agora que a gente sobe que é mesmo para você.

-Mais eu não sou obrigada a receber, sou?

-Ah, isso é. Faça da carta o que quiser, mas tem de receber primeiro.